Entramos em um boteco com aquelas máquinas que tocam músicas que são escolhidas depois de alguma moeda ser colocada nela. As cores e os elementos remetem, não aos lugares que perceberam que o Karaoke era algo rentável para os estabelecimentos, mas sim onde a cantoria coletiva chegou primeiro do que a própria máquina. Estamos em um local de convivência, onde, possivelmente, as pessoas cantavam juntas antes mesmo do próprio Karaoke chegar.
Palombar resgata esse aspecto desse objeto, que só se completa quando está em coletivo. Afinal, tem pouca graça cantar no Karaokê sozinho na nossa própria casa. Talvez seja isso; o Karaokê, o Circo, só se faz em coletivo. O Palombar traz isso nas suas entrelinhas, já que também, esse coletivo de tantos artistas reunidos, exalta essa história da coletividade em cada passo dado. Outro aspecto que nos “pega” de primeira são as “cores de Almodovar”, os brilhos, a própria estética que se assimila ao estilo de música que são as mais cantadas nessas máquinas. O figurino de cada personagem que vai entrando em cena, recheados de estampas, estilos, tão diferentes que temos a certeza que cada um, vem de um universo diferente, mas que de alguma maneira, se encontram ali, se completam ali. E cá entre nós, se existem elementos que podem colocar uma brasilidade contemporânea em um espetáculo circense, esses clássicos da música brasileira e suas respectivas vestimentas é um desses elementos. Na terra do brega, do samba, e até mesmo da Bossa Nova, tons pastéis não seriam o figurino que demonstrariam contemporaneidade.
O Grupo inicia seus números de habilidades circenses, porém, acredito que o primeiro número que salta aos olhos é: “como é possível um grupo com tantos artistas em cena”? Quem já trabalhou em grupo, quem já tentou articular um coletivo, quem sabe os custos financeiros que isso demanda, quem sabe o poder de conciliação de ideias criativas que são necessárias para que isso aconteça, entende quando eu escrevo aqui que o primeiro número de habilidade que o Grupo Palombar apresenta em seu espetáculo, é a própria existência do Grupo.
A trilha sonora passeia entre canções que quando são tocadas pensamos: “essa música, todo mundo sabe cantar”. Todo mundo sendo uma força de expressão, já que é necessário estar no Brasil para saber essas músicas, porém é tanta gente que sabe que a continuação da frase: “e nessa loucura de dizer que não te quero, vou negando as aparências…”. São tantas pessoas que já encontramos que sabem essa música que nos dá a sensação de que o mundo todo sabe mesmo. E se tem um elemento que o Circo explora é encontrar maneiras de dialogar com o público, encontrar formas de apresentar as habilidades, mas que haja contato direto com as pessoas que estão ali assistindo. Enquanto linguagem, o circo quer ser visto, e revisto. Passeamos por números de manipulação de chapéus, número de equilíbrio de pratos, de acrobacias, de troca de roupa mágica (kick change), garrafone (garrafas que uma afinação, capaz de reproduzir melodias musicais) e por fim um número de acrobacias envolvendo uma mesa fixa no chão, onde os artistas fazem acrobacias, escorregam e criam uma coreografia dinamizada entre trombadas e cambalhotas. O público que assiste ao espetáculo passeia pelas habilidades circenses e tem uma demonstração de muitas possibilidades de números de habilidades. O espetáculo é construído de uma maneira a deixar isso tão próximo do público, que chega a parecer que as pessoas que estão assistindo também são capazes de reproduzir aqueles números.
Talvez seja a esfera criada pelo grupo, onde tudo acontece em algum boteco fictício em que depois de alguns goles, as pessoas acreditam que são capazes de cantar, dançar e até mesmo demonstrar habilidades acrobáticas para as outras pessoas que estão ali presentes. Vale ressaltar que essa sensação é algo admirável que o Palombar consegue passar, porém os números têm um alto nível técnico, demonstrando uma imensa habilidade nos aparelhos circenses que cada artista se propõe a apresentar. É um faça você mesmo, mas se você tentar fazer, verá que não é tão simples assim. A apuração técnica faz valer todos esses aspectos que dissertei anteriormente sobre o trabalho. Não à toa, é possível ver o público vibrar em cada apresentação dos números, em cada finalização de uma habilidade e depois relaxar cantando um clássico da música brasileira.
Ouso dizer que o espetáculo de circo coloca na música brega a função que teria o palhaço, apesar de termos a figura do garçom do bar, que também cria piadas com a situação, relaxa a tensão criada pelos números e costura todo o enredo, o próprio ambiente do bar que tem um Karaokê e as suas músicas, fazem a função do palhaço de gerar risos, empatia e relaxamento para os números de habilidades. Por fim, admiro a coragem e ousadia do grupo de montar um espetáculo com esse tema, de ter tido a sensibilidade da escolha das suas músicas, seu repertório e os números que compõe o espetáculo. Nos gera uma vontade de ir cantar num Karaokê, mas também uma vontade de que o Palombar estivesse nesse mesmo Karaokê, para que eles apresentassem seus impressionantes números circenses com uma trilha sonora especial dessas.
26 de feveiro de 2024
Rafael de Barros